"Gosto que os filmes sejam o reflexo das nossas vidas"
Em Poesia, conta a história da Sra.Yang, uma sexagenária que frequenta um curso de poesia e descobre que o neto participou na violação de uma colega do liceu, que depois se matou. O enredo do filme e a personagem principal são baseados em factos ou pessoas reais?
Aqui há uns anos, na Coreia do Sul, houve um caso de violação envolvendo um grupo de jovens . Queria transformá-lo numa história, mas não sabia como. Até que um dia imaginei uma personagem chamada Yang que quer escrever um poema pela primeira vez na sua vida. Foi aí que pude então criar a minha história, combinando esse cruel caso de violação colectiva com a da senhora da poesia.
Os seus filmes costumam ser contados através das personagens, tal como volta a acontecer em Poesia. Este peso das personagens no seu cinema tem a ver com o facto de ser também romancista e dramaturgo?
Um romance e um filme são semelhantes: ambos são movidos pelo desejo das personagens. Mas acho que o cinema é capaz de retratar os seres humanos melhor do que o romance. Talvez mesmo melhor do que qualquer outra forma artística. Esta é uma das razões porque tenho feito filmes. Nos meus filmes, as personagens são sempre muito importantes.
A Sra. Yang tenta descobrir beleza à sua volta para escrever um poema, mas tudo o que vê é baixeza moral e tristeza. E quando consegue enfim escrevê-lo, o tema é o suicídio da rapariga violada. O título do filme é irónico?
Escrever um poema implica a busca da beleza. No entanto, a beleza não existe em si mesma. A beleza vem sempre acompanhada pela escuridão, pelo feio e pela dor, quer seja visível, quer não. Assim, a arte é em sei mesmo irónica, tal como a nossa existência. E eu quis também fazer uma pergunta aos espectadores: como descobrir a beleza nas nossas vidas?
Os seus filmes evitam o sentimentalismo e a lágrima fácil, preferem ser subtil e gradualmente comoventes. Os actores são por isso, muito importantes neste processo. Como é que trabalha com eles, e no caso de Poesia, como dirigiu a veterana Yun Jung-hee? Considera-se um "realizador de actores"?
Concordo parcialmente com isso. Não costumo querer que os actores sejam expressivos. Muitas vezes, peço-lhes que não sejam mais do que a personagem no processo de aceitação da situação em que se encontra, que a sua interpretação se resuma a isto. Penso que representar é muito mais reagir e do que "interpretar". Mas trata-se apenas de uma regra básica e nem sempre a sigo de forma tão estrita. Muitas vezes, acho melhor explicar aos actores em pormenor o que quero deles. A Yun Jung-hee percebeu bem o que eu pretendia dela e aceitou totalmente a forma como a dirigi. É uma actriz veterana que fez mais de 300 filmes nos anos 60 e 70, mas que foram dobrados por outros actores. Por isso a sua forma de representar era algo expressiva demais. No entanto, em Poesia, ela não "representou", ela viveu a personagem da Sra. Yang.
Como situa os seus filmes no cinema coreano contemporâneo?
Gosto que os filmes reflictam as nossas vidas e possam pôr questões sobre elas. Mas é cada vez mais difícil encontrar filmes destes na Coreia. As pessoas vão ao cinema para fugir da realidade e os realizadores fazem filmes apenas para serem consumidos por elas. No entanto, a ameaça real à nossa indústria cinematográfica é a falta de criatividade e de desafios.